Geralmente quando se fala em espiritualidade vislumbramos de imediato os grandes ideais que devemos alcançar, as realidades celestiais, enfim, "as coisas do alto", frase que se tornou o mais novo "chavão" da Igreja nesses últimos anos. "Buscai as coisas do alto!" De fato, precisamos almejar as "coisas do alto" mas numa perspectiva que é pouco lembrada(...) Não podemos nessa busca cega e desenfreada pelas graças celestiais, esquecer-nos de nossa própria realidade, das misérias e injustiças ao nosso redor, das desigualdades sociais que oprimem e marginalizam centenas e milhares de irmãos e irmãs por esse Brasil afora, enfim, das situações de morte que estão dentro de nós e ao nosso lado enquanto olhamos piedosamente para a esplendorosa e transfigurante visão do alto, como àquela do Monte Tabor.
A santidade, vocação primeira do ser humano, é o encontro do homem com a sua própria humanidade, com suas próprias fraquezas e fragilidades. Se quisermos conhecer a Deus, devemos principiar com o conhecimento de nós mesmos. Quanto mais humanos formos em nossas relações, mais santos seremos. Sem o autoconhecimento corremos sempre o risco de nossos pensamentos acerca de Deus serem meras projeções. Esse mergulho dentro de nós mesmos nos tornará aptos e capazes de ir ao encontro do outro e sentir suas necessidades e aflições. Ser santo, portanto, não consiste em limitar a fé ao cumprimento de enfadonhas práticas religiosas, na aceitação passiva de uma "vontade" de Deus derivada de uma concepção mágica e que dá margem à explorações, marginalizações e opressões por parte dos "senhores do poder". Como escreve Thomas Merton, no livro Le Nouvel Homme, se nosso cristianismo não passar de um conjunto de práticas exteriores destinadas a dissimular os compromissos com a fraqueza e a hipocrisia do mundo, nós não corresponderemos à missão da manifestação da natureza escondida de Deus em nossas vidas.
Precisamos descer aos vales sombrios e obscuros da sociedade, onde estão os pobres e miseráveis, aqueles que são muitas vezes "invisíveis" aos nossos olhos porque perdemos a capacidade de sentir com-paixão e empatia do sofrimento alheio. Estamos tão envolvidos com um cristianismo de faz de conta, superficial e ritualístico, que nos esquecemos do essencial de nossa fé: VER JESUS CRISTO NO ROSTO SOFRIDO DOS IRMÃOS. As Igrejas de um modo geral, precisam incorporar esse discurso em sua práxis cotidiana, sem medo das pressões e perseguições inevitáveis, sem receio de ferir ou incomodar os que colaboram para a edificação do Anti-Reino, sem censuras ou dissimulações. Os movimentos e pastorais, respeitando evidentemente a identidade e a mística de cada um, precisam assumir concretamente uma postura mais ousada e corajosa diante dos desafios e das realidades gritantes deste mundo em constantes mudanças. Reuniões e discursos, louvores e orações desconectadas da vida, assembleias e encontros que muitas vezes são infrutíferos são apenas alguns elementos que precisam ser repensados e reconceituados para que tenhamos uma Igreja mais fiel ao projeto de Jesus Cristo. Toda a vida, morte e ressurreição de Jesus foram consequências de sua ação profética e do seu testemunho, ambos de uma radicalidade sem precedentes. Nessa trajetória em defesa da justiça e dos pobres, o nazareno se bate com as forças conservadoras da época, representando tanto o poder judaico quanto o império romano.
A nossa oração precisa estar encarnada na História, esta História que Jesus assumiu quando tomou a natureza humana. Ele não fugiu, pois, da História para encontrar o Pai. Antes, a transformou em caminho para o Pai. Como podemos viver de braços cruzados participando passivamente de nossas missas dominicais e deitados em berços de ouro quando milhares de jovens são exterminados pelas drogas e pela violência? Quando professores da rede pública são silenciados pela violência e pela covardia nos corredores daquela que deveria ser a "casa do povo" - Assembleia Legislativa? Quando a corrupção se alastra em todos os setores da sociedade e os clamores da fome e da miséria vergonhosa povoam a nossa alma? A vida é constantemente ameaçada pela intrepidez e a ganância de uns poucos que se aproveitam de nosso silêncio absurdo.
Que Deus nos dê a coragem de caminhar pelas sendas escuras de nossa fé, nos arrance de nós mesmos e nos faça viver um verdadeiro cristianismo.
Por César Augusto Rocha - coordenador do Conselho de Leigos
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